Na primeira pessoa
Que dia é hoje?
Às vezes dou por mim a perder a conta aos dias e preciso de consultar o calendário do telemóvel. Tenho medo que tudo se perca, a começar nos dias e a acabar em mim. Mas pensando bem, já tinha medo. Sempre tive medo de um bocadinho de tudo, agora que penso bem. Mas já estou a divagar, é isto que a minha cabeça faz, perde-se, como um rio que corre e nunca para. Um rio que nunca chega ao mar.
Hoje acordei cedo. Hoje pode ser um dia bom. Posso levantar-me da cama, preparar um bom pequeno-almoço, como aquele que nós vemos nas revistas – afinal de contas estamos todos em casa, sem as horas contadas, sem relógios nem despertadores, e eu até tenho tempo para preparar um pequeno-almoço desses. Até posso tirar uma fotografia, publicar nas minhas redes sociais com um filtro bonito. Mas só de pensar no trabalho que isso dá…fico cansado. Ainda nem me levantei e já estou cansado. Acontece-me muito.
Estou nervoso, mas não sei bem de onde isto vem, ou como começa. Começa a formar-se no corpo, como uma corrente elétrica, primeiro suave, depois mais forte. Acho que se pensar nisto com atenção, também funciona como um vírus de propagação rápida. Que se espalha, cá dentro. Comigo começa sempre nos ombros. Uma tensão estranha entre os ombros e o pescoço, como se umas mãozinhas invisíveis me apertassem os músculos e os deixassem tensos e a tremer. Quando dou conta as mãozinhas já chegaram às pernas e preciso quase sempre de me sentar porque me sinto desconfortável em pé. Preciso de sair de onde estou mas sem saber bem para onde devo ir. As pessoas perguntam-me se estou bem, o que se passa, sinto os olhos delas em mim como se “aquilo” que eu tenho pudesse ver-se do lado de fora. Mas eu não sei responder.
Chamam-lhe ansiedade. Quando lhe deram um nome fiquei mais calmo, porque até então não sabia o que era. Era só a corrente elétrica pelo corpo todo, a respiração que mudava o ritmo e os pensamentos todos a jogar à apanhada. Era como uma onda enorme que se atravessava em mim. Mas quando esse oceano imenso começou a transbordar pelos olhos e quando comecei a isolar-me em casa, a minha família quis levar-me à psicóloga. E foi quando percebi que tudo isto se chama ansiedade. É a ansiedade que hoje me impede de levantar da cama, preparar o meu pequeno-almoço bonito e enfrentar o meu dia. Ela convive comigo diariamente, e partilhamos o mesmo espaço o que, por vezes, consegue ser bastante claustrofóbico.
Com o tempo percebi que a ansiedade é muito mais que aquelas duas mãozinhas que me apertam os ombros e me provocam uma tensão estranha pelo corpo. Todos aqueles pensamentos insistentes na minha cabeça eram a minha ansiedade a falar comigo. E ela, além de muito conversadora, consegue ser realmente cruel, por vezes. “Hoje não vais sair capaz”; “Vale mais desistires antes de sequer começares”; “És fraco e nem sequer és assim tão interessante”. Tudo ao mesmo tempo, às vezes era difícil distinguir o que ela dizia, no meio de tantas coisas. Nesses momentos eu acho realmente que a melhor coisa que tenho a fazer é mesmo ficar na cama, dormir, e silenciar aquela sua voz derrotista, que fala muito alto, tão alto…se estiver a dormir não a consigo ouvir, certo? É que fico fraco. Ela diz-me aquelas coisas com tanta convicção, que às vezes eu acredito mesmo que ela está a falar a sério. E fico sem vontade de agarrar-me a todas aquelas coisas que eu sempre achei que queria para mim. Estudar. Viajar. Ter a minha família. Será que eu mereço tudo isso, na verdade? E eu podia falar sobre isto com os meus amigos, mas…na verdade eu acho que estaria unicamente a incomodá-los e a ser um fardo na vida deles. Acho que estou a exagerar. Mas isso também é algo que eu costumo fazer. Parece que sinto coisas que ainda nem sequer existem fora da minha cabeça.
Que lugar estranho este, para se viver. Dentro da nossa cabeça. Dentro de nós mesmos, quando nós mesmos é tão…desconfortável.
Amanhã talvez seja um dia melhor.
Psicóloga Clínica