2020 foi o ano que nos trouxe a oportunidade para concretizar aquilo que já andávamos a prometer que tínhamos que fazer há demasiado tempo, mas que íamos adiando. Nós, que sempre quisemos passar mais tempo com os nossos filhos, ser mais ativos fisicamente, testar novas receitas na cozinha e habilidades artísticas, terminar todos
aqueles livros e, até mesmo dar uma oportunidade ao teletrabalho. Parece tudo fantástico, mas trouxe um senão. É que agora não se trata bem de uma oportunidade, mas sim de uma imposição. E neste momento vivemos em modo de bomba-relógio, com horas para tudo: horas para reunir com o chefe no Skype, horas para garantir que os miúdos “vão à aula de matemática”, horas para garantir os trabalhos de casa, horas para a aula de pilates online, horas para ir passear o cão, horas para ligar aos avós que estão cheios de saudades, horas para as máquinas da roupa e da louça, horas para as homenagens à varanda, horas para o “xixi cama”. E no meio disto tudo, ainda temos que encaixar as horas para brincar, as horas para parecer “interessante” nas redes sociais, as horas do supermercado, as horas das meditações terapêuticas para não “fritar a pipoca”. E as horas para namorar? Era bom, era. Horas, horas, horas! Fechados dentro das nossas casas, as famílias sentem-se é verdadeiramente presas num relógio gigante e imposto pela conjetura atual.
Podemos sentir-nos culpados?
É que… às vezes, ficamos fartos e verdadeiramente cansados dos nossos filhos.
Perguntamo-nos onde podem ir buscar tanta energia! Nós queríamos passar mais tempo com eles, mas… E não é nada “fixe” ter reuniões de trabalho com o barulho da telescola “lá atrás”, como cão a roer-nos o chinelo e a panela de pressão a disparar a nossa paciência em todos os sentidos. E como é que já não há iogurtes outra vez? Os miúdos não comem, devoram! Tudo seria mais fácil se uma simples ida ao supermercado não se tivesse transformado numa jornada de medos e ansiedade pelo que nos pode acontecer a nós e, consequentemente, aos que amamos.
Quando damos por ela já estamos demasiado cansados para ler aqueles livros. E se no início até nos parecia boa ideia aprender a tricotar, pintar ou falar japonês, agora só queremos deitar-nos na cama e dormir até ao ano que vem. Ninguém nos preparou para isto e está tudo “à flor da pele”. Por isso as famílias têm medo. Medo do terreno desconhecido que se chama “sentir demais”, não saber o que fazer com isso e não ter a situação “sob controlo”.
Boas notícias: ninguém pode ter “isto” sob controlo. Ninguém pode lidar com isto num perfeito estado de graciosidade e paz, sem perder o “norte” de vez em quando! Neste momento os casais são forçados a ser pais, mães, professores, educadores, atletas, cozinheiros, cabeleireiros, costureiros, e sabe-se lá mais o quê. No meio de tudo isto, é esperado de nós que sejamos capazes de continuar a nutrir amor próprio, a cuidar de nós próprios e a expressar gratidão. Mas a verdade é que ninguém nos ensinou nada sobre pandemias, vírus, máscaras e viseiras. E a maior parte de nós, lamentavelmente, sabe ainda muito pouco sobre medo e ansiedade. Porque ninguém nos ensinou.
Mas nós estamos aqui!
Nós, os psicólogos e as psicólogas da Psike.
Nós, que também somos pais. Que também somos mães. Que somos filho(a)s, neto(a)s, irmã(o)s. Pessoas. Que também temos medo e ansiedade. Que também temos saudades de alguém. Que também passamos noites sem dormir e que também estamos em casa, a cumprir as normas de segurança. Que também queremos sair, mal seja possível. Que também somos (im)perfeitos, como vocês. E agora, mais do que nunca, nós sabemos que a nossa ação é precisa. Para vos ajudar a lidar com a crise.
Queremos que saibam que continuamos aqui para vós. Que vos respeitamos. Que nos preocupamos e estimamos. E que estamos à distância de uma mensagem, enquanto mais não for possível.
Pedimos às nossas famílias que não exijam de si mesmas mais do que podem dar.
Porque estão, certamente, a dar o vosso melhor.
Vai ficar tudo bem!
Carolina Pascoal
Psicóloga Psike